Como evitar a miopia estratégica no desenvolvimento de software

No universo da tecnologia, o conceito de “miopia estratégica” tem se tornado cada vez mais relevante. De acordo com a definição de Seth Godin, autor, empreendedor e especialista em Marketing, essa miopia descreve a tendência de organizações priorizarem exclusivamente o que é “urgente” e “facilmente mensurável”, deixando de lado ações que promovem inovação e sustentabilidade no longo prazo.

Sob pressão por resultados imediatos, líderes frequentemente tomam decisões que comprometem a eficiência e a escalabilidade dos projetos de software. Isso porque, não ter uma visão clara da sua razão de existir faz com que muitas empresas percam o foco do que é realmente necessário para se manterem relevantes no mundo VUCA.

O caso Kodak tornou-se um clássico para exemplificar esse fenômeno. Em 1975, os engenheiros Steven Sasson e Robert Hills, funcionários da empresa, criaram a DSLR, primeira câmera com sistema de compressão de imagens e armazenamento em cartões de memória.

Porém, ao apresentarem a descoberta para os executivos da empresa, levaram um banho de água fria. Os gestores preferiram colocar o projeto na geladeira, para não canibalizar o lucrativo mercado de filmes e revelação fotográfica.

Resultado: abdicaram de liderar uma revolução no setor. “A empresa não entendeu que a razão da sua existência era vender lembranças, não filmes”, Denis Balaguer, diretor do Centro de Inovação da EY, ao Valor Econômico. “Ela deveria ter identificado que essa tecnologia, sim, destruiria seu business, mas era a alavanca para entregar por um meio novo o valor pelo qual os clientes a reconheciam”.

No desenvolvimento de software, essa miopia estratégica se manifesta em situações como demandas urgentes, sprints mal planejados e decisões que priorizam apenas entregas rápidas, negligenciando a arquitetura robusta e a escalabilidade futura.

Uma visão estratégica clara não apenas previne armadilhas comuns, mas também assegura que o desenvolvimento de software esteja alinhado às mudanças do mercado e às expectativas de clientes cada vez mais exigentes.


Miopia estratégica no desenvolvimento de software

No desenvolvimento de software, as demandas de curto prazo são inevitáveis: prazos apertados para lançar um MVP, solicitações urgentes de clientes e a constante pressão para entregar resultados rápidos.

No entanto, essa priorização do imediato pode gerar decisões que comprometem o futuro do projeto, resultando em sistemas com dívidas técnicas difíceis de resolver, pouca escalabilidade e manutenções caras e frequentes.

Uma pesquisa da McKinsey mostra que, já em 2022, quase 70% das empresas de alto desempenho econômico utilizavam software próprio para se diferenciarem de seus concorrentes, sendo que um terço delas o monetizava diretamente.

A pressão para evoluir tem crescido em razão de três mudanças fundamentais:

1 – A adoção acelerada de produtos digitais, que tem levado as empresas a incorporarem software a seus produtos e à experiência de compra em si – em tudo, desde customização até o aprimoramento da entrega omnichannel.

2 – Uma parcela maior do valor de produtos e serviços de outros setores de atividade vem hoje do software. Uma empresa industrial típica, por exemplo, espera que a parcela de suas receitas originadas de software dobre nos próximos três ano.

3 – O crescimento da computação em nuvem, das plataformas como um serviço, de ferramentas que exigem pouca ou nenhuma codificação, e da programação assistida por inteligência artificial está colocando poder sem precedentes nas mãos de bilhões de trabalhadores.

Além disso, a consultoria ressalta que as empresas que adotam uma visão estratégica com foco no software têm maior capacidade de se diferenciar no mercado.

Como explica Seth Godin, a estratégia deve ser encarada como uma bússola, não um mapa. Ele enfatiza que:

“A estratégia é uma filosofia, uma bússola, e não um mapa. Em outras palavras, ‘a estratégia é o que você VAI fazer’. Comece definindo claramente a mudança que você deseja ver no mundo. Reflita sobre onde estão as oportunidades e como as forças externas, como mudanças no mercado, mudanças culturais e tecnologia, podem ajudar ou atrapalhar seu progresso. Reconheça que o mundo está em constante movimento e que sua estratégia deve ser flexível. Reveja regularmente sua estratégia e faça os ajustes necessários para se alinhar às realidades em evolução.”

Para líderes de tecnologia, essa perspectiva é essencial. Sem uma visão clara que guie as decisões, escolhas urgentes podem até parecer eficazes no momento, mas frequentemente resultam em sistemas que não acompanham o ritmo das mudanças do mercado.

>>Leitura recomendada: Análise de requisitos: a base para projetos de software bem-sucedidos

A armadilha do “resolve agora, ajusta depois”

A abordagem do “resolve agora, ajusta depois” é comum em projetos de software: atalhos no código, funcionalidades improvisadas e processos temporários usados para atender prazos apertados. Infelizmente, essas soluções provisórias muitas vezes tornam-se permanentes, criando sistemas frágeis e uma infraestrutura difícil de modernizar.

“Todo mundo quer inovar, mas ninguém está disposto a pagar o preço”, afirma Balaguer ao Valor Econômico, que já mencionamos acima. Para ele, o preço da inovação vai muito além do investimento para comprar novas tecnologias, estabelecer parcerias com startups ou criar setores de transformação digital nas empresas. “É preciso uma mudança estrutural mais profunda, realmente difícil, que poucos querem bancar dentro das suas corporações”, diz.

Essa forma sedimentada de olhar os negócios alimenta a miopia estratégica. O resultado é uma visão de curto prazo para as estratégias de transformação, centrando esforços e injetando tecnologia em fórmulas já existentes nas corporações. Para um futuro nem tão distante, essas ações podem ser ineficientes para a sobrevivência da empresa. “Não se atinge o novo por sucessivos incrementos no velho”, diz Balaguer. 

Os impactos da miopia estratégica vão além dos custos imediatos. Empresas que negligenciam a visão de longo prazo frequentemente enfrentam dificuldades operacionais, como baixa performance, problemas de integração com novas tecnologias e custos elevados para corrigir ou substituir sistemas obsoletos.

>>Leitura recomendada: Como fazer um planejamento estratégico de TI eficiente

Como evitar a miopia estratégica?

Em artigo para a HBR, Seth Godin lista 5 ações fundamentais para evitar a miopia estratégica. Veja abaixo:

1. Rejeitar falsos indicadores

Métricas de curto prazo, como o número de sprints concluídos ou a velocidade de entrega, oferecem uma visão superficial de progresso, pois frequentemente ignoram fatores críticos como qualidade do código, escalabilidade e satisfação do usuário final.

Líderes de tecnologia devem priorizar KPIs que agreguem valor real ao projeto e à empresa, como:

  • Redução de bugs em ambiente de produção;
  • Experiência positiva do usuário com o produto ou serviço;
  • Capacidade de integração e evolução do sistema ao longo do tempo.

Ao alinhar as métricas com os objetivos estratégicos de longo prazo, as empresas criam uma base mais sólida para o crescimento sustentável e a inovação no desenvolvimento de software.

2. Focar nas necessidades do cliente

Entender profundamente as necessidades do cliente é um dos pilares para evitar a miopia estratégica. No desenvolvimento de software, muitas vezes há a tentação de criar funcionalidades que “parecem úteis” apenas para aumentar o número de entregas. No entanto, essa abordagem raramente gera valor real.

Adotar metodologias como design thinking e user research ajuda as equipes a identificarem o que realmente importa para os usuários, garantindo que as funcionalidades desenvolvidas sejam relevantes e atendam às suas demandas específicas.

Godin usa o exemplo do Google, que, apesar de ter sido pioneiro em Inteligência Artificial, preferiu manter o foco no seu produto de busca já consolidado, enquanto seus concorrentes perguntavam o que as pessoas poderiam querer no futuro.

Ao alinhar as decisões de desenvolvimento com as reais necessidades dos clientes, empresas de software podem criar soluções mais impactantes e garantir maior competitividade no mercado.

3. Escolher o time certo

Para que projetos sejam bem-sucedidos, é essencial compor times multidisciplinares que combinem habilidades técnicas com uma visão estratégica, garantindo que as decisões tomadas equilibrem necessidades de curto prazo com objetivos de longo prazo.

O papel de arquitetos de software é particularmente importante nesse contexto. Eles possuem a capacidade de analisar o impacto das escolhas técnicas atuais e seu reflexo na escalabilidade, manutenção e evolução do sistema. Além disso, arquitetos ajudam a traduzir metas estratégicas em soluções técnicas concretas, alinhando tecnologia com os objetivos de negócio.

A Harvard Business Review reforça que o sucesso de uma estratégia está diretamente relacionado à escolha das pessoas certas:“Para que uma estratégia seja realmente eficaz, é necessário incluir as pessoas certas — aquelas que estão dispostas a ver o futuro de uma perspectiva nova, e não apenas defender o status quo.”

>>Leitura recomendada: Reskilling e upskilling na TI na era da IA

4. Resolver grandes problemas com soluções pequenas

Problemas complexos em projetos de software podem parecer esmagadores quando tratados de uma só vez. Adotar práticas como o desenvolvimento incremental e modular ajuda a mitigar riscos, dividindo desafios maiores em etapas menores e manejáveis.

Essa abordagem não apenas facilita o gerenciamento do projeto, mas também permite que equipes entreguem valor continuamente, ajustando e aprimorando soluções com base em feedback real.

Por exemplo, em vez de tentar implementar uma grande funcionalidade em um único lançamento, é mais eficaz dividi-la em entregas menores e funcionais. Isso não só reduz atrasos, como também minimiza a possibilidade de erros sistêmicos que poderiam comprometer o sistema como um todo.

A Harvard Business Review destaca que, ao abordar problemas grandes, é essencial começar pequeno: “O que as lideranças podem fazer: começar com uma solução mínima viável que possa ser ajustada e aprimorada ao longo do tempo. Aceitar que a perfeição não deve ser o objetivo inicial; o progresso gradual é mais importante.”

>>Leitura recomendada: O papel e os impactos da tecnologia na cultura organizacional

5. Fazer perguntas interessantes

Fazer perguntas estratégicas é um passo essencial para evitar a miopia no desenvolvimento de software. Líderes devem se concentrar em questionamentos que vão além das demandas imediatas, explorando o impacto de suas decisões no longo prazo e considerando como mudanças tecnológicas e culturais podem transformar seus mercados.

“A miopia estratégica ocorre quando empresas se concentram em refinar o que já fazem, sem questionar como podem mudar as regras do jogo. A história de empresas bem-sucedidas está repleta de exemplos de perguntas transformadoras que mudaram indústrias inteiras, como Warby Parker, que revolucionou o mercado de óculos ao perguntar como a nova geração gostaria de comprá-los”, reforça Godin.

Encorajar equipes a fazer essas perguntas estratégicas cria um ambiente que não apenas responde aos desafios do presente, mas também se antecipa às mudanças e oportunidades futuras, posicionando as empresas de software para um crescimento sustentável e inovador.

Portanto, evitar a miopia estratégica no desenvolvimento de software não significa ignorar as demandas de curto prazo. Pelo contrário, trata-se de alinhar essas necessidades imediatas com objetivos de longo prazo, garantindo que cada decisão contribua para a sustentabilidade, escalabilidade e sucesso do projeto.

A pressão por resultados rápidos é inevitável, mas líderes de tecnologia têm o papel crucial de equilibrar essas urgências com uma visão estratégica que antecipe mudanças no mercado e assegure a relevância da organização no futuro. Para auxiliar nessa missão você pode contar com parceiros de tecnologia, como a Opus Software, que vão te ajudar com experiência e expertise a tomar as melhores decisões. Vamos conversar?


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