A coopetição, estratégia de negócios que combina as características da cooperação e da competição, é usada cada vez mais por empresas de computação em nuvem.
Coopetição é uma estratégia de negócios baseada na Teoria dos Jogos, que busca combinar as características tanto da cooperação quanto da competição. Esse não é um conceito novo, mas continua sendo útil para a aplicação no planejamento estratégico das empresas.
Um livro interessante sobre esse assunto é “Co-opetição”, de Barry Nalebuff e Adam Brandenburger, que explica como a teoria dos jogos pode ser aplicada aos negócios. O primeiro passo é identificar os jogadores: os principais são sua empresa, seus clientes e seus fornecedores, mas existem também serviços que competem e serviços que complementam o seu. Um jogador é seu complementador quando o seu produto ou serviço é mais valorizado quando está associado ao dele do que quando sozinho. Todos esses participantes formam uma Rede de Valores:
Por esse diagrama é possível identificar os jogadores que favorecem a sua empresa e aqueles que competem com você. Entretanto, o mundo dos negócios não é tão simples assim, dividido entre aqueles que estão a seu favor e aqueles que estão contra. Por exemplo: seus clientes e fornecedores, teoricamente, estão no grupo dos que cooperam com seu negócio. E, de fato, existe uma relação de cooperação com esses jogadores quando se trata de trabalhar juntos para criar valores. Entretanto, na hora de dividir o bolo, eles mudam de lado e passam a ser seus competidores: seus clientes querem pagar menos, seus fornecedores querem receber mais.
Com aqueles jogadores que são seus competidores naturais, muitas vezes a disputa é tão acirrada e desgastante que leva a uma vitória de Pirro, com perdas irreparáveis para os dois lados, que acabam não compensando a vitória. O ideal é evitar uma concorrência mutuamente destrutiva: para que você tenha sucesso, pode ser necessário deixar que todos ganhem um pouco, inclusive seus concorrentes.
Complementadores do seu negócio
Os serviços complementadores podem ser determinantes para o sucesso ou o fracasso de um negócio. O livro de Nalebuff e Brandenburger cita o exemplo dos automóveis: quando surgiram nos Estados Unidos, não havia rodovias pavimentadas, apenas estradas esburacadas que viravam um lamaçal quando chovia. Isso dificultava sobremaneira as viagens de longa distância feitas de automóvel.
Para ampliar o uso e, consequentemente, as vendas de carros, era preciso que o Governo investisse na construção de estradas. Por isso, em 1913, grandes fabricantes de automóveis se juntaram com fabricantes de pneus e faróis para criar a Lincoln Highway Association, que preconizava a construção de uma ligação costa a costa no país. A Associação não teria condição de construir a rodovia inteira, mas investiu na pavimentação de um trecho inicial, o suficiente para as pessoas experimentarem as vantagens de se viajar de automóvel numa rodovia de qualidade, e a partir daí pressionarem o Governo a assumir a construção. A estratégia deu certo: em 1922 já havia cinco rodovias transcontinentais construídas.
O fato é que, nesse caso, empresas competidoras e complementadoras se juntaram – cooperaram – para conquistar um serviço complementar fundamental para o crescimento das vendas de automóveis, o que beneficiou todos os fabricantes, tanto de veículos quanto de autopeças.
O competidor onipresente
O Governo é um jogador que nunca pode ser evitado nem tirado do jogo, e que pode exercer qualquer um dos papéis: cliente, fornecedor, competidor ou complementador. No exemplo da Lincoln Highway, o Governo entrou no jogo num papel fundamental, o de complementador responsável pelo fornecimento da infraestrutura essencial para o crescimento da economia.
Quando o Governo cumpre o papel de complementador, cliente ou fornecedor, ele agrega valor e contribui para o desenvolvimento das empresas e do país. Já no papel de competidor pode ser até que ele agregue valor, dependendo de como é a sua atuação.
O papel de competidor o Governo exerce incondicionalmente: sempre compete com as empresas pelo dinheiro do mercado. Quanto mais impostos a população paga, menos dinheiro se tem para comprar bens e serviços. Quando o Governo entra no jogo como competidor, não tem pra ninguém: a banca sempre ganha. Como os impostos são obrigatórios, a competição é unilateral.
Embora seja um competidor que sempre ganha a sua parte, em determinados contextos a ação do Governo pode ser entendida como coopetição, isto é, compete pelo dinheiro quando cobra impostos, mas coopera com as empresas e a sociedade quando o dinheiro dos impostos é investido em redes de transporte, fornecimento de energia, telecomunicações, tribunais civis, estabilidade da moeda e assim por diante. Até aí, nenhuma novidade: é exatamente isso que se espera do Governo.
O problema começa quando o Governo joga apenas como um competidor voraz e predador, que compete com as empresas pelo dinheiro do mercado, mas não oferece a contrapartida dos serviços de infraestrutura fundamentais para o país (Infraestrutura do Brasil é inferior à média mundial / Avanço do Brasil em infraestrutura é lento).
Governo à parte, o que precisa ficar bem entendido é que há elementos ganha-ganha e ganha-perde em todas as relações: com clientes, fornecedores, competidores e complementadores. Existe a dualidade em todas elas, não é só amigo ou só inimigo, só guerra ou só paz. Existe, simultaneamente, cooperação e competição: coopetição.
Custos enterrados deixam de ser problema
O mercado de computação em nuvem é muito propício para a criação de relações de coopetição. As empresas percebem que, ao invés de ficar brigando, o melhor que têm a fazer é juntar suas forças para fazer frente a competidores comuns.
Um exemplo disso é o recente acordo realizado entre Google e Microsoft. As duas empresas são grandes competidoras no mercado de computação em nuvem, e durante muito tempo o Google privilegiou o uso do sistema operacional Linux em sua oferta de servidores, em detrimento do sistema operacional Windows, da Microsoft.
Só que, no final de 2014, o Google passou a oferecer suporte para os softwares da Microsoft no Google Cloud Plataform. Com esse acordo, os clientes do Google vão poder usar as licenças dos softwares da Microsoft que já possuem. Isso representa um grande benefício para os clientes, uma vez que licenças de software representam uma parte dos custos enterrados que podem adiar a adoção da computação em nuvem por muitas empresas.
“Mantenha seus amigos por perto, mas os seus inimigos mais perto ainda.” (*)
A história do mercado de computação em nuvem que melhor expressa o conceito de coopetição é a da relação entre Salesforce e Oracle.
Em 2013, Marc Benioff (Salesforce) e Larry Ellison (Oracle) anunciaram uma parceria entre as duas empresas para integrar seus serviços de computação em nuvem. Esse acordo foi um choque para o mercado, uma vez que o relacionamento entre os dois CEOs estava longe de ser pacífico, e eram até mesmo conhecidos como “frenemies”: antigos amigos, atuais inimigos. Ellison foi mentor de Benioff na própria Oracle, de onde Benioff saiu para fundar a Salesforce. O CEO da Oracle foi um dos primeiros investidores que ajudaram a Salesforce a decolar, e esta, por sua vez, sempre foi um grande cliente da Oracle. Entretanto, ao longo do tempo a relação entre os dois foi degringolando.
A briga chegou ao limite de tensão em 2011, quando Ellison cancelou de última hora a palestra de Benioff no evento anual Oracle OpenWorld Conference. Benioff não titubeou: agendou uma entrevista, no mesmo horário que seria sua palestra na conferência, num hotel do outro lado da rua. O grande ponto de discórdia entre os dois era a estratégia adotada por cada empresa em relação à nuvem. Benioff advertiu o público a tomar cuidado com a “falsa nuvem”, Ellison rebateu e chamou a Salesforce de “o motel barato da computação em nuvem”.
Depois dos dois terem levado as coisas a esse ponto, como surgiu espaço para esse acordo? Porque inimigos, inimigos, negócios à parte. As duas empresas perceberam que o melhor que tinham a fazer era se unir para poder atender às exigências de seus clientes e criar uma infraestrutura que unisse as virtudes das soluções de ambas para fazer frente à concorrência.
Nos tempos atuais, em que mercados tradicionais rapidamente deixam de existir e modelos de negócio que foram bem sucedidos durante décadas parecem virar pó do dia para a noite, os participantes de cada segmento econômico devem levar em consideração que a presença de competidores dá razão de ser e legitimidade ao próprio mercado em que atuam. Mais do que buscar jogos de “soma-zero”, onde o ganho de um necessariamente representa a perda de outro, desenvolver uma visão ampliada que permita identificar oportunidades de cooperação para o progresso do mercado em si, e de cada participante dele, pode ser a melhor forma de garantir uma transição adequada rumo ao futuro. Competição e cooperação: por que não?